quinta-feira, 4 de março de 2010

"Senhor, que vieste trazer a vida e vida em abundância, torna-me um instrumento de tua misericórdia"


Sou médica, sou pediatra, lido com a vida, lido com a negligência, lido com a falta de respeito, com a má educação, com o egoísmo, com o desamor, com a irresponsabilidade, com a falta de cuidado com o próximo. Lido com a vida, lido com a ignorância, lido com a desigualdade, nem sempre a desigualdade de direitos, mas a desigualdade do abuso de poder, do dinheiro que tudo pensa poder comprar, lido com aqueles que pela classe social mais baixa conhecem bem a opressão, mas contraditoriamente oprimem o outro quando sentem que podem ter vantagem com isso. Lido com a vida, lido com a agressão, com a preguiça, com a fraqueza, com a conveniência. Lido com a vida, lido com o questionamento que ignora a minha condição de médica, com a pressão, lido com a impaciência, a intolerância, com a falta de gratidão. Lido com a permissividade de um sim que é mais fácil de ser dito, com a falta de disciplina, com o despreparo que descuida, com a insegurança que teme educar. Lido com a vida e vejo a vida crescer sempre se repetindo. Lido com a vida que não tem preço, a vida que compromete as minhas mãos. Lido com a vida, calada, sufocada por não poder gritar pela vida dos pequenos, por não poder gritar pela minha própria vida. Minhas mãos são apenas a solução necessária em um breve momento, não tenho rosto e muito menos um coração. Talvez chegue o dia em que eu não tenha dor, sono ou fome, talvez chegue o dia que eu não precise respirar. Mas, eu não posso parar, eu lido com a vida, não vou parar, as atitudes do ser humano serão sempre as mais ínfimas misérias, porque são as minhas mãos os instrumentos de Deus pra fazer a vida viver.

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